Caríssimos,
Em minha publicação anterior, “Mormonismo: uma origem enganosa”, apontei, por meio da narrativa fundamental da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, questões gerais a respeito do que motivou o surgimento dessa religião. Cumpre estudar, agora, seus aspectos doutrinários — sem, todavia, esgotá-los completamente. Digo, de antemão, que essas doutrinas encontram-se principalmente na biblioteca do site oficial, churchofjesuscrist.org, donde tirei as citações. Demonstraremos com o estudo a seguir que as doutrinas dos Mórmons, porque se desviam da verdade ensinada somente pela Igreja Católica, caem necessariamente em doutrinas como o gnosticismo e o panteísmo.
"Conselhos afáveis poderiam ser suficientes a homens de boa vontade [...], mas sei que são necessárias mordidas de lobo para arrancar do caminho de um erro antigo aqueles que já têm o espírito duro e rebelde"
— Hugo de São Vítor, A Instrução dos Principiantes
I. Gnose e panteísmo
Devemos começar pela definição do que vamos estudar, e a encontramos em uma divisão bem sistemática e, por isso, didática, no livro do professor Orlando Fedeli, “Antropoteísmo ( A Religião do Homem)”. De maneira simples, diríamos que há duas religiões apenas: uma é a cristã, a católica, a verdadeira; outra, a humanista, a religião do homem, da qual fazem parte todas as outras formas de culto que se apartam, mais ou menos, da verdade e que mantêm uma unidade doutrinária caracterizada pela “supervalorização da criatura ou aniquilamento dela no absoluto naturalismo racionalista ou na magia mística irracional […]”, que são “manifestações do sonho oculto de tornar o homem Deus” (Antropoteísmo, p. 25). É uma religião, portanto, cujo centro é o próprio homem. Assim Fedeli faz sua divisão:
“Sendo o homem um ser composto de corpo e alma, isto é, de uma parte material e outra espiritual, é lógico que a adoração do homem se divide em dois ramos fundamentais: um que diviniza o corpo, isto é, a matéria, outro que diviniza a alma, isto é, o espírito.
A corrente antropoteísta que diviniza o corpo e a matéria engloba todas as seitas e sistemas filosóficos panteístas.
A corrente antropoteísta que diviniza apenas a alma, o elemento espiritual, é a Gnose propriamente dita, que inclui todas as seitas que em geral são classificadas como gnósticas pelo comum dos autores.
O panteísmo que diviniza o corpo e toda a matéria é a expressão naturalista e cósmica do Antropoteísmo.
A Gnose, divinizando exclusivamente o espírito, é anticósmica e odeia a matéria, considerada má em si mesma e aprisionadora do espírito” (Antropoteísmo, p. 49)
Trabalharemos doravante com base nessas noções. Então vejamos, agora, que Fedeli divide o sistema gnóstico-panteísta em dez temas, dos quais tomaremos somente dois — a Cosmogonia e a Escatologia —, para que assim façamos uma comparação entre as ideias gnósticas e panteístas e as ideias mormorísticas a respeito desses temas.
II. AS COSMOGONIAS GNÓSTICA E PANTEÍSTA
Cosmogonia vem do grego Kósmos, que quer dizer “mundo”, e gonía, que quer dizer “geração”. Portanto, a cosmogonia deve narrar a geração do mundo.
Já vimos pela definição que o panteísmo diviniza a matéria; sendo assim, na lógica panteísta, a geração do mundo teria ocorrido por um processo de autocriação divina, quer dizer, a matéria seria apenas uma etapa do desenvolvimento de Deus, de Sua expansão, e portanto “o universo seria um ser divino, eterno e infinito, um organismo vivo” (Antropoteísmo, p. 151), de sorte que Criador e criatura seriam uma e a mesma coisa. Numa palavra, a Natureza seria o próprio Deus.
A Gnose, por outro lado, repugna a matéria; narra a geração do mundo por uma catástrofe, por uma degradação. O mundo teria surgido por um aprisionamento de partículas divinas na matéria: cada ser vivo encerraria dentro de si faíscas da Divindade, que deveriam libertar-se desse cativeiro que são os corpos e retornarem à Unidade Primitiva (estado perfeito antes da criação material), que eles chamam de Pleroma. Aqui fica evidente que o Criador é visto como um deus maligno, ou melhor, um demiurgo. Daí, por exemplo, fazerem a distinção entre o Deus do Antigo Testamento — o Deus Mal que criou o Mundo e as Leis —, e o Deus do Novo Testamento, dizem, o Deus de Amor. Étienne Couvert fala sobre essa doutrina:
“[…] sabemos que os gnósticos […] ensinam que o Cosmos é animado por um princípio universal, Alma do Mundo ou Luz Divina; que essa alma luminosa percorre o conjunto de seres que constituem o Mundo e dá vida às plantas e aos animais. Cada ser vivo contém aprisionado em si uma partícula luminosa da alma universal” (A Gnose Universal, p.16).
Ora, embora tenhamos feito uma distinção a princípio bem definida, amiúde acontece dessas posições gnósticas e panteístas, aparentemente contrárias, se fundirem. Couvert nos explica o motivo:
“Com efeito, quando se trata de apreender o sentido último da natureza, do mundo, das coisas que nos rodeiam e de nosso lugar no mundo, nosso espírito não tem muitas soluções alternativas fora da Verdade. É por isso que todas as heresias se assemelham, e seu ponto em comum é a gnose panteísta” (A Gnose Universal, p.28).
Logo, essa contradição inicial não deve nos impedir de progredir nos estudos; antes, deve nos incitar a encontrar que erros são esses em que ambas as posições caem. De fato, tanto a gnose quanto o panteísmo recusam a verdadeira ideia de que Deus tenha criado as coisas ex nihilo, isto é, do nada, e que se possa estabelecer uma analogia entre Deus e o mundo na medida em que “conhecemos a sua relação com as criaturas de todas as quais é a causa; e como estas diferem dele porque não é nenhuma das que criou” (São Tomás, Ia, q. XII, art. 12).
III. AS ESCATOLOGIAS GNÓSTICA E PANTEÍSTA
A Escatologia narra o destino final do homem, dos anjos, dos demônios e do universo material.
A escatologia panteísta é otimista, nota Fedeli. Se o mundo não é outra coisa que uma fase da evolução divina, chegará o dia em que finalmente tudo será perfeito; a ciência deverá fazer da terra o paraíso, eliminando todos os males dos homens — inclusive a morte! Lemos:
“Por meio de uma evolução dialética, a matéria bruta teria dado origem à vida, esta passaria necessariamente para a vida vegetal, depois pela animal, da qual viria a vida humana.
Com a vida humana, a evolução teria produzido a razão, por meio da qual o homem solucionaria, com o tempo, todos os problemas. Ciência e Técnica venceriam toda doença e até a morte, criando no futuro uma época de plena felicidade material, o Reino do Homem, a Utopia” (A Religião do Vaticano II, p. 48)
Neste sistema estão compreendidas todas as seitas milenaristas e que pretendem ter o paraíso já nesta terra, tal como os judeus, cujo messias é mais um ativista político — desejoso em acabar com as desigualdades, com a pobreza — que uma figura religiosa. Daí terem eles rejeitado o Cristo, que diz: “Não julgueis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada” (Matheus 10:34).
Já para a gnose, as partículas divinas encerradas na matéria estão destinadas a retornarem ao estado primitivo, afim de que toda individualidade se desvaneça na Divindade e, com Ela, torne-se uma só coisa. A morte e o aniquilamento dos corpos seriam as maneiras mais eficazes para a libertação do espírito divino, e daí o culto pelo suicídio.
Todavia, dizem os gnósticos que aqueles homens que não possuem devidamente o conhecimento de sua “natureza divina”, estariam sujeitos, após a morte, a transmigrarem de corpo em corpo (seja para o dos animais, para as plantas e até para a matéria bruta). E nisso consistiria o inferno deles.
E novamente encontramos o erro comum: em ambos os casos, há a recusa de uma atitude equilibrada em relação à realidade material e espiritual do homem, querida por Deus. Os próprios gnósticos recusam toda lei moral, já que os Mandamentos foram dados no Antigo Testamento e, portanto, por um deus mal. Sendo a matéria ruim em si mesma, as leis, que visam prescrever como devemos agir em relação às coisas, também são más e inúteis. Os panteístas, cujo deus é o próprio ventre, não veem limites para o gozo dos bens materiais e se entregam a toda sorte de prazeres sujos e torpes.
Enfim; devemos passar agora para as doutrinas dos Mórmons sobre os temas da Escatologia e Cosmogonia, e observar se aí há alguma semelhança com o que até agora vimos nos gnósticos e panteístas.
IV. A COSMOGONIA MÓRMON
O mormonismo crê terem sido criadas todas as coisas espiritualmente antes de sua existência material. A parte espiritual do homem nunca foi criada, mas existiu desde sempre junto de Deus, e quando Este decidiu criar o mundo, infundiu um véu de esquecimento nos homens para que não se lembrassem de sua vida pregressa. Em uma espécie de “extrato” do livro do Gênesis, escrito por Smith, lemos:
” E toda planta do campo, antes de estar na Terra, e toda erva do campo, antes de brotar […] criei todas as coisas das quais falei espiritualmente, antes de existirem na face da Terra”. (Pérola de Grande Valor, Moisés 3:5)
E mais adiante:
“[…] Eu sou Deus; eu fiz o mundo e os homens antes de existirem na carne”. (Pérola de Grande Valor, Moisés 6:51)
E ainda noutro lugar, uma certa tradução de supostos textos de Abraão, feita por Smith:
“Ora, o Senhor mostrara a mim, Abraão, as inteligências que foram organizadas antes do mundo existir […]”. (Pérola de Grande Valor, Abraão 3:22)
O próprio Joseph Smith explica essa ideia num texto intitulado “O Grande Plano da Salvação”:
“Tenho outro assunto a abordar, cujo propósito é a exaltação do homem.“
[…]
“Todos os homens instruídos e doutores em teologia dizem que Deus o criou no princípio; mas não é verdade: A própria ideia rebaixa o homem, na minha opinião“
“A inteligência é eterna e baseia-se em um princípio auto-existente. É um espírito de era em era, e não houve uma criação envolvida. Todas as mentes e espíritos que Deus enviou ao mundo são capazes de progredir.”
E numa conferência:
“Você partiria dos braços de seu Pai, passaria por um véu de esquecimento, receberia um corpo mortal e aprenderia e vivenciaria coisas que esperançosamente a ajudariam a crescer e a se tornar mais semelhante ao Pai Celestial e a retornar à presença Dele.” ( Dieter F. Uchtdorf, Maio de 2013, “Sua Maravilhosa Jornada de Volta para Casa”)
Mas é em Doutrina e Convênios que lemos com todas as letras:
“O homem também estava no princípio com Deus. A inteligência, ou seja, a luz da verdade, não foi criada nem feita nem verdadeiramente pode sê-lo.” (Doutrina e Convênios 93:29)
Portanto, a alma seria divina e eterna, como Deus. Mas sabemos que isso não é razoável; a realidade nos diz que “nada existe abeterno, exceto Deus” (São Tomás, Ia, q. XXXXVI, art. 1), e dizer o contrário não é “rebaixar o homem”, mas rebaixar a Deus e reduzi-Lo a um mero organizador das coisas — e, de fato, quando vão referir-se ao ato criador de Deus, as palavras frequentes são “organização” e “formação”, sempre sugerindo a preexistência de algo a partir do qual Deus faria a Terra.
Outro absurdo que não se prova de forma alguma pela realidade, é de que o homem sabia das verdades eternas antes de sua criação, e que Deus, ao criá-lo, infundiu-lhe um véu de esquecimento — sendo a matéria o motivo da ignorância. Sobre isso, fala-nos Couvert:
“Adão foi criado por Deus num paraíso terrestre, e não celeste. Foi na terra que o primeiro homem gozou, desde sua criação, de uma felicidade natural. Mas nós, distantes descendentes de Adão, não temos nenhuma lembrança nem nenhuma ideia do que poderia ser esse paraíso terrestre. Sabemo-lo pela Tradição que nos ensina, mas não por uma reminiscência, e quando tentamos representar o que poderia ter sido esse paraíso, estamos condenados a imaginá-lo grosseiramente”, etc. (A Gnose Universal, p. 87)
iv.i A TERRA: UMA ENTIDADE VIVA
Ainda no tema da cosmogonia, a coisa deve piorar. Nos mesmos lugares, e como que passando insensivelmente de uma posição para outra, lemos também que a matéria não só foi “feita” por Deus, mas feita Dele, isto é, de sua substância:
“Os mundos foram feitos por ele; os homens foram feitos por ele; todas as coisas foram feitas por ele e por meio dele e dele“.(Doutrina e Convênio 93:10)
E a mesma ideia lemos em Doutrina e Convênios nº 88,41:
“[…] e ele [Deus] está acima de todas as coisas e em todas as coisas e através de todas as coisas e ao redor de todas as coisas; e todas as coisas existem por ele e dele, sim, Deus, para todo o sempre.”
E estando Deus supostamente a revelar a Smith o significado de “mar de vidro” de que fala São João no capítulo 4, versículo 6 do Apocalipse, diz: “É a Terra em seu estado santificado, imortal e eterno” (Doutrina e Convênios 77:1)
A leitura sugere uma criação por emanação e exalta a natureza com características divinas. São, pois, fórmulas essencialmente panteístas. Desse modo, depois de terem dito que Cristo está no sol, na lua, nas estrelas (Doutrina e Convênios 88: 6-10), dizem ainda que cada astro é um reino, e que se alguém os viu, viu Deus:
“Eis que todos estes são reinos; e qualquer homem que tiver visto um deles, ou o menor deles, viu Deus movendo-se em sua majestade e poder.” (Doutrina e Convênios 88: 47)
V. A ESCATOLOGIA MÓRMON
Já que falamos de reinos, parece-nos conveniente passar para o tema dos reinos de glória, presente na escatologia mórmon. Cabe dizer, porém, que antes da morte do homem e, portanto, antes de se herdar um reino de glória, deverá Cristo voltar e reinar na terra por mil anos:
“E Satanás, aquela velha serpente que é chamada de Diabo, será amarrado e não será solto pelo espaço de mil anos”. (Doutrina e Convênios nº88, 110)
Os que não forem de todo justos, permaneceriam sem ressurreição até o fim dos mil anos, no Juízo Final. Haveria três reinos aos quais os homens iriam: o Celestial, o mais nobre e cuja glória ultrapassa a dos outros dois reinos; o Terrestrial, de glória mediana; e o telestial,o de menor glória. Sobre aquele primeiro, lemos:
“E a redenção da alma realiza-se por meio daquele que vivifica todas as coisas, em cujo seio está decretado que os pobres e os mansos da Terra a herdarão. Portanto, é necessário que seja santificada de toda a iniquidade, a fim de ser preparada para a glória celestial”.
O prêmio dos justos será a própria Terra? É o que parece.
“Para que os corpos que forem do reino celestial possuam-na [a Terra] para todo o sempre, por que para esse intento foi feita e criada e com esse intento são eles [os homens] santificados”.
Já sobre o inferno, eles fazem uma distinção. Chama-se inferno o lugar onde os pecadores, mas não completamente maus, ficam após a morte, dos quais se diz:
“E esses são os remanescentes dos mortos; e não tornarão a viver até que os mil anos se acabem, nem até o fim da Terra”.
E estes seriam aqueles que permaneceriam, no Final dos Tempos, no reino telestial. E há o inferno propriamente dito, onde permaneceriam aqueles dos quais se diz:
“Entre os que hão de permanecer até o grande e último dia, sim, o fim, acham-se aqueles que hão de permanecer imundos ainda”.
Mas saiba o leitor que, conforme se lê, nota-se que os maiores pecadores ainda não serão condenados e teriam ainda um “reino de glória”, de sorte que somos levados, por assim dizer, a perguntar-nos não como se salvar, mas, antes, como não se salvar. Que tipo de homens serão esses que herdarão o menor dos reinos?
“Estes são os que são mentirosos e feiticeiros e adúlteros e libertinos; e todo aquele que ama e inventa mentiras”. (Doutrina e Convênios 76:103)
Estes, dizem, são aqueles que permaneceriam no inferno até o Final dos Tempos, mas, apesar de tudo, herdariam uma glória, a do reino telestial.
Temos ainda que os homens não completamente justos, tendo alcançado alguns dos reinos de glória inferiores, poderão progredir eternamente aos reinos superiores até a Divindade. Prova disso é que, revelando Deus a Smith a respeito daqueles cujo destino era o menor dos reinos, diz:
“Estes são os que não recebem de sua plenitude no mundo eterno, mas do Santo Espírito pelo ministério do terrestre; E o terrestre, pelo ministério do celestial. E também o telestial o recebe pela administração de anjos que são designados para ministrar em seu favor, ou seja, que lhes são designados como espíritos ministradores, pois eles serão herdeiros da salvação.” (Doutrina e Convênios 76:86-88)
Cada reino superior socorre os inferiores, de modo que, em constante progressão, estes também “serão herdeiros da salvação”.
Eis aqui, caro leitor, o fruto de sermos divinos: a passagem na Terra é uma regressão do que o homem desde sempre possuiu e foi; do que o homem alcançará novamente mediante uma constante progressão; do que o homem possuirá pelo conhecimento (a Gnose) — como sugere Smith e depois dissimula dizendo que é Cristo; enfim, do que o homem é: Deus. Não há coisa mais monstruosa que essa e a isso não devemos dar nenhum crédito!
Antes de passarmos para o fim de nossa exposição, vejamos este esquema que compara as posições gnósticas e panteístas e as posições dos mórmons sobre os temas da Cosmogonia e Escatologia:
Temas | Mórmon | Gnose | Panteísmo |
Cosmogonia | Criação espiritual; a alma é eterna e incriada; Deus está na natureza; a natureza é criada de Deus; recebemos um véu de esquecimento após a criação material; nega a criação ex nihilo etc. | A criação é uma catástrofe; a criação é o aprisionamento de partículas divinas na matéria; a alma é prisioneira do corpo; Deus criador é um demiurgo; nega a criação ex nihilo; etc. | Deus está na natureza; o Mundo é uma extensão de Deus; a natureza possui características divinas; nega a criação ex nihilo; etc |
Escatologia | Milenarista; salvação universal; progressão eterna à Divindade; relativização da moral; etc. | Retorno à Unidade Primordial; o desvanecimento da individualidade na Divindade; culto ao suicídio; nega toda lei moral; etc. | Milenarista; paraíso na terra; nega a lei moral; otimista; etc. |
Com este esquema simples que preparamos, fica mais evidente que o mormonismo ora toma da fonte gnóstica, ora da panteísta. Sua doutrina é, portanto, gnóstico-panteísta.
VI. A DESINTEGRAÇÃO RELIGIOSA: CONCLUSÃO
Durante o estudo, deparei-me com um relato muitíssimo interessante de uma testemunha insuspeita. Trata-se de um artigo que narra uma experiência numa igreja mórmon do Rio de Janeiro; experiência que resultou mais tarde numa dissertação de mestrado. Digo que embora não partilhe das posições de nossa testemunha, servir-me-ei do que há de verdade ali e reforçarei a posição que se tem defendido desde o início.
Uma das primeiras coisas que nossa testemunha notou foi que os mórmons pretendem comunicar-se diretamente com Deus:
“Um dos fundamentos do mormonismo é que todos podem comunicar-se com Deus sem intermediários. Para tornar-se membro da Igreja, a pré-condição é justamente ter estabelecido um canal de comunicação direta com Deus.”
E mais adiante:
O pesquisador não precisa saber de nada, nem acreditar em nada de antemão: basta-lhe perguntar se o Livro de Mórmon diz a verdade” (Clara Flaksman, sobre Saberes e Crenças: Livro de Mórmon).
Digo que, de fato, o mormonismo é uma religião de verdadeiros iluminados; tudo gira em torno de testemunhos pessoais: “eu testifico isso”, dizem, “eu testifico aquilo outro”; “sei que o Livro de Mórmon é verdadeiro”, etc., e tudo não passa de puro sentimentalismo religioso — porque “saber” aqui é “sentir”. Ora, o próprio surgimento dessa religião significou o fim de uma apostasia de séculos e a restauração da verdadeira Igreja de Cristo, como exprimiu nossa testemunha em termos tão exatos:
"Todo Templo Mórmon traz no topo uma estátua do Anjo Morôni tocando uma trombeta, anunciando o fim do período de apostasia" (Clara Flaksman, Sobre Saberes e Crenças: o Livro de Mórmon)

Devemos saber que a propagação do mormonismo pelo Brasil e pelo mundo representa a propagação de uma religião tipicamente americana. Isto significa, além de outras coisas, uma ditadura dessa já conhecida “teologia da prosperidade” (em que o sucesso material é sinal de benção divina), e de novidades que se apresentam como doutrinas reveladas por Deus, que servem mais para subverter a verdadeira doutrina, já tão ignorada, e confundir os fiéis até sobre as coisas mais básicas em matéria de fé.
Com efeito, a América seria a Nova Jerusalém; o próprio Cristo, após sua Ressurreição, a teria visitado e o Livro de Mórmon baseia-se todo nessa ideia. Mas notemos que embora o mormonismo pareça uma religião inovadora — e, de certo modo, é mesmo uma religião inovadoramente mais subversiva—, a sua função como uma religião a serviço de uma grande desintegração religiosa no mundo, cumpre o mesmo papel que outras religiões protestantes conhecidas pelo Brasil. Falamos dos Adventistas e das Testemunhas de Jeová, para citar as mais conhecidas. Os primeiros, com costumes judaicos de observância do sábado e hábitos alimentares estranhos; os segundos, com a adoração de Jeová (Yahwé) como “único Deus”, recusam a divindade de Jesus Cristo, que seria somente um profeta, criatura de Deus, e o Espírito Santo, que não seria igualmente Deus e a terceira pessoa da Santíssima Trindade, mas uma força ativa impessoal, “força de Deus em ação”: todas essas coisas, repito, são doutrinas que resultaram da fragmentação de religiões protestantes, que obscurecem e confundem as Verdades reveladas por Deus, cuja posse deu à Igreja católica somente.
Enfim, como com razão nos disse o professor Fedeli, o gnosticismo e o panteísmo são, por si sós, sistemas repugnantes a uma inteligência ainda minimamente sincera. As grandes seitas, tendo-o notado, lançam mão de mil artifícios para fazerem penetrar na alma humana doutrinas que, expostas em sua verdadeira face, dificilmente obteriam algum crédito. Era necessário tirar essa parte um tanto indigesta e extravagante das doutrinas e dar-lhes uma cara mais aceitável. Visei, com esse estudo, fazer entender que o mormonismo é mestre nessa artimanha; essa habilidade de introduzir, com linguagem aparentemente bíblica, doutrinas que não são senão aquela velha doutrina que se levantou desde o princípio do mundo na boca da serpente, dizendo aos nossos primeiros pais: “sereis como deuses”.
Por: G. Henrique S. de Morais
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